'Enfermidade e Sentimento de Merecimento'

Existe um tipo de teologia que se apresenta como profunda quando, na realidade, exala privilégio e senso de merecimento. Ela chama a doença de um dom. Ela nos assegura que a doença é uma bênção disfarçada, uma lição de Deus ou uma oportunidade para aprofundar a fé. Seus pregadores e escritores erguem sua fragilidade como um texto sagrado e convidam outros a lerem de suas cicatrizes. Eles escrevem livros sobre sua paralisia, seu câncer ou seu longo declínio, exortando outros a não desperdiçarem sua doença. A linguagem é romântica, sentimental e lisonjeira para o falante. O mundo aplaude, e o dinheiro flui.

O problema não é apenas que eles estão doentes ou que falam sobre isso. O problema é que eles chamam sua doença de um dom de Deus. Eles imaginam que a graça de Jesus se manifesta em transformar a decadência em inspiração. Eles constroem carreiras sobre as ruínas de sua saúde e, então, exigem reconhecimento por sua percepção espiritual. O palco está preparado, os editores estão ansiosos, e o público está pronto para chorar. Tudo isso tem o aroma de piedade, mas por baixo reside uma teologia que é cruel, desonesta e venenosa.

Em nações desenvolvidas onde o atendimento médico está prontamente disponível, esse tipo de doutrina pode prosperar. Os doentes são amparados por sistemas de saúde, recursos familiares ou apoio da igreja. Mesmo se confinados a uma cadeira de rodas, eles permanecem confortáveis. Mesmo se sofrem dor diária, eles recebem medicação. Mesmo se sua condição impede uma vida normal, eles ainda podem escrever, publicar e fazer turnês. Isso os coloca em uma posição onde podem filosofar sobre seu sofrimento. Eles têm o luxo de transformar a doença em poesia e sua dor em lucro.

Agora, coloque essa doutrina ao lado da realidade de grande parte do mundo. Em muitos países, você não ouvirá falar de seus aleijados, cegos e acometidos de câncer. Eles não estão escrevendo livros. Eles não estão negociando contratos de publicação. Eles não estão viajando para conferências para inspirar congregações com seus relatos introspectivos. Eles estão rastejando em estradas de terra, mendigando por migalhas. Eles estão passando fome em suas casas, contorcendo-se de dor, morrendo em silêncio. Eles não têm plataforma, nem audiência, nem chance de redefinir sua miséria como um dom divino. Para eles, a doença não é um tema para reflexão, mas uma execução diária. Eles desaparecem, e ninguém se lembra.

Que arrogância, então, para os doentes privilegiados falarem como se sua experiência representasse a verdade sobre o sofrimento. Eles nos dizem que a doença é um dom, mas a quem estão dizendo isso? Eles enviam seus livros para os mendigos cegos na Ásia ou para as crianças aleijadas na África? Imaginam que sua doutrina transformará os gritos dos moribundos em hinos de gratidão? Suas palavras seriam obscenas em tais contextos. Eles pregam para aqueles que têm seguro, que podem pagar por cadeiras de rodas e hospitais, que podem receber simpatia e cuidados. Sua mensagem é possível apenas em sociedades que os protegem do pior do sofrimento.

É por isso que a teologia deles não é humildade, mas senso de direito. Eles possuem recursos que faltam aos outros. Eles conseguem usar sua doença como um palco porque a sociedade os apoia enquanto fazem isso. Eles lucram com sua condição, não apenas financeiramente, mas socialmente, ao reunir admiração e elogios. Eles se apresentam como profundamente espirituais e perspicazes, mas o que exibem é egoísmo disfarçado de piedade. Sua doença se torna uma plataforma para se elevarem, em vez de uma oportunidade para glorificar a Cristo.

Tal doutrina não é inofensiva. Ela brutaliza a fé. Ela ensina que o cristianismo é sentimental e distante, transformando uma agonia insuportável em uma metáfora romântica. Ela zomba daqueles que não têm voz e nem consolo. Ela insulta a graça de Deus ao chamar a doença de um dom. A Bíblia declara que toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto. Jesus andava por toda parte curando todos os que eram oprimidos. Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças. Ele não disse ao leproso para abraçar sua lepra como uma lição divina. Ele o purificou. Ele não elogiou o cego por valorizar sua cegueira. Ele restaurou sua visão. Ele não incentivou o paralítico a ver sua imobilidade como um caminho para uma introspecção mais profunda. Ele lhe disse para se levantar, pegar sua maca e andar.

Chamar a doença de um dom é zombar do ministério de Cristo. É retratar as obras de Satanás como a sabedoria de Deus. Quando a doença destrói um corpo, ela é um inimigo. Quando a dor atormenta um homem, ela é um inimigo. Quando a morte persegue uma família, ela é um inimigo. As Escrituras chamam a morte de o último inimigo, e ela está destinada a ser destruída. Santificar a obra do inimigo ao nomeá-la de dom é ficar do lado do destruidor e atribuir a sua malícia a Deus. É roubar das pessoas a graça real de Jesus, que é libertação, cura e vida.

Aqueles que pregam esta doutrina não exaltam a Cristo. Eles se exaltam a si mesmos. Eles usam sua doença para garantir plataformas, publicar livros e reunir aplausos. Eles afirmam que seu sofrimento foi santificado, mas na verdade o corromperam em uma ferramenta para auto-promoção. Eles imaginam que suas palavras fortalecerão a fé, mas na verdade fazem a fé parecer tola, fria e sem coração. Seu ensino diz ao mundo que o cristianismo encontra beleza na miséria em vez de vitória em Cristo. Isso é veneno disfarçado de espiritualidade.

É uma crueldade para com os milhões anônimos que sofrem sem conforto, que morrem sem remédio, que são esmagados sob o peso de sua doença. Eles não têm oportunidade de reformular sua condição. Eles não publicam ensaios sobre sua dor. Eles não atraem multidões para ouvi-los descrever o romance de sua ruína. Eles estão ocupados demais passando fome, gritando ou desvanecendo na morte. Quando os doentes privilegiados se exaltam chamando a doença de um dom, eles pisoteiam essas vidas esquecidas. Eles se associam a Satanás ao lucrarem com a própria destruição que Jesus Cristo veio desfazer.

A resposta cristã deve ser diferente. Nós não batizamos a doença como uma bênção. Nós a confrontamos como uma inimiga. Nós não vestimos a decadência como poesia. Nós proclamamos o poder de Deus para curar. Nós não exaltamos o sofrimento por si só. Nós exaltamos Cristo, que venceu o sofrimento, a doença e a morte. O evangelho anuncia que Jesus curou os doentes, ressuscitou os mortos e trouxe à luz a vida e a imortalidade. Essa é a verdadeira graça de Deus. Esse é o dom que vem do alto.

Pregar de outra forma é falsificar a mensagem de Cristo. Romantizar a doença é distorcer o evangelho e fazer a fé parecer cruel e distante. Aqueles que promovem essa doutrina são a escória da terra, porque roubam a esperança das pessoas e fazem mercadoria de sua dor. Eles se chamam profundos, mas são superficiais. Eles se chamam espirituais, mas são corruptos. Eles se apresentam como compassivos, mas sua teologia é veneno.

A igreja deve renunciar a esta mentira. Ela deve se recusar a chamar a doença de dom. Ela deve proclamar o verdadeiro dom de Deus, que é a vida, a saúde, o perdão e o poder de Jesus Cristo. Somente então ela deixará de parecer insensível e distante, e em vez disso se posicionará como o que realmente é: a portadora da mensagem de salvação e cura para o mundo.

📖 Artigo original:

Sickness and Entitlement ↗