Desperta, ó Tu que Dormes

“Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará.” (Efésios 5:14)

O Novo Testamento descreve o homem em relação a Deus usando várias metáforas que destacam a profundidade de sua deficiência e a suficiência da ação divina. Essas imagens não são redundantes, mas complementares. Elas retratam os seres humanos em diferentes condições, variando de incapacidade total a uma falta de resposta entorpecida. A Escritura fala dos não regenerados como mortos no pecado. Jesus se refere aos pecadores como doentes e necessitando de um médico. Paulo adverte os crentes de que eles podem se tornar como se estivessem dormindo, e os chama ao despertar. Juntas, essas descrições formam um espectro de fraqueza humana que apenas a palavra de Deus pode superar.

Paulo descreve o não regenerado como morto em transgressões e pecados. A imagem comunica mais do que distância de Deus. Ela retrata o homem em seu estado natural como desprovido de vida espiritual, incapaz de se mover em direção a Deus e impotente para exercer fé. A morte nesse sentido não é hipérbole, mas uma descrição precisa da condição do homem caído. Ele não apenas se recusa a buscar Deus, mas carece da capacidade de buscá-lo. Ele não tem nenhum princípio de vida dentro de si pelo qual possa responder. O cadáver não se dispõe a respirar ou a se levantar do chão. Assim, o homem não regenerado não pode criar fé em sua própria alma.

Desde que o homem está morto, sua salvação não pode depender de qualquer poder latente nele mesmo. Ela não depende de qualquer incentivo de seu ambiente. Não pode surgir de um cultivo gradual de hábitos espirituais. Sua única esperança reside em Deus, que ressuscita os mortos. Paulo enfatiza isso quando diz: “Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça sois salvos” (Efésios 2:4-5, NVI). A transição da morte para a vida não é um ato da vontade humana, mas a operação soberana de Deus. O evangelho, quando pregado, não depende do pecador morto para sua eficácia. É a própria palavra de Deus que chama à existência a vida que ela ordena. O ministério da pregação e da oração são instrumentos, mas o efeito pertence somente a Deus.

Esta imagem da morte ataca a raiz da pretensão humana. Ela destrói todo argumento em favor do aperfeiçoamento moral à parte de Cristo. Ela expõe todo esquema de salvação por autodisciplina ou tradição. Nenhuma filosofia ou religião pode animar os mortos. Somente a palavra de Deus pode fazê-lo, e o faz com suficiência absoluta. O que parece ser pregação de um homem para outro é, na realidade, Deus falando por meio de seu servo, e quando Deus fala, os mortos ressuscitam.

A metáfora da doença acrescenta outra dimensão. Jesus diz que os que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. Ele identifica os pecadores como os doentes, e a si mesmo como o médico que veio para curá-los. Isso não sugere que os não regenerados retêm vitalidade espiritual. Isso transmite a corrupção e o desordenamento que o pecado introduz na natureza humana. Um corpo atormentado por doença pode ainda respirar, mas todo órgão está comprometido e toda faculdade corrompida. Assim, o pecado distorce a alma, desorienta suas faculdades e a submete à decadência.

Ao chamar os pecadores de doentes, Jesus expõe tanto a condição deles quanto a necessidade deles. Eles se apresentam como doentes em sua percepção da verdade, suas afeições inclinadas para o mal e sua vontade impulsionada por impulsos contrários a Deus. O diagnóstico é universal, e a cura reside no próprio médico. Cristo não prescreve um regime de exercícios morais para o pecador realizar. Ele cura por meio de sua presença e de sua palavra. O pecador recebe a integridade somente dele, e à parte dele a doença segue seu curso fatal.

Essa imagem carrega uma polêmica implícita contra o orgulho religioso. Os fariseus se consideravam saudáveis e desprezavam aqueles que julgavam doentes. Cristo inverteu suas categorias. Aqueles que se imaginavam íntegros estavam cegos para sua corrupção, enquanto aqueles que reconheciam sua necessidade estavam mais próximos da cura. A imagem, portanto, reforça a exclusividade de Cristo. Não há médico além dele, nem cura fora de sua palavra. O pecado é uma doença terminal. O evangelho não oferece cuidados paliativos, mas restauração completa pelo poder de Deus.

Se a morte revela a incapacidade do homem e a doença revela sua corrupção, a imagem do sono retrata um estado pecaminoso no meio da vida. Paulo cita uma declaração aos crentes efésios: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará.” O mandamento se dirige aos cristãos que caíram em práticas que pertencem às trevas. Eles estão vivos em Cristo, mas vivem de uma maneira que se assemelha aos mortos. O sono descreve uma condição na qual o pecado é tolerado, a mente é entorpecida e a conduta do crente sai do compasso com a luz de Cristo.

Aplicado ao crente, o sono descreve o comprometimento com o pecado. O cristão que foi chamado para andar na luz e na santidade pode, em vez disso, entrar em desobediência, desatenção ou complacência. Ele tem vida em Cristo, mas se comporta como se fosse insensível a ela. O mandamento de Paulo, portanto, não é o chamado à conversão inicial, mas a uma renovação da vida já concedida. A palavra de Deus confronta o crente em seu pecado, desperta-o da letargia e o restaura à vigilância, pureza e obediência que pertencem àqueles que vivem na luz.

A mesma imagem também nos ajuda a descrever outro perigo, a dormência da fé. Um cristão pode afirmar que Deus cura, mas deixar essa verdade sem uso quando a doença ataca. Ele pode concordar que Deus opera milagres, enquanto recua de esperá-los. Ele pode reconhecer as promessas de Deus, mas tratá-las como abstrações em vez de bases para a ação. Nesses casos, a fé está presente em princípio, mas inativa na prática, como se estivesse adormecida. A palavra de Deus funciona como uma trombeta, despertando-a para a ação. Ela desperta os crentes a confiar em Deus pela cura, pelos milagres, pela abundância e pelos dons do Espírito.

Isso tem implicações profundas para a vida da igreja. Quando os crentes dormem nesse sentido, sua confissão permanece abstrata, suas orações fracas e seu testemunho comprometido. Quando a palavra os desperta, sua fé se torna ativa. Eles se levantam para crer no que Deus prometeu, para esperar o que ele falou e para experimentar o que Cristo garantiu. O despertar é, portanto, abrangente. Ele os restaura do pecado, reanima sua fé e os impulsiona para a obediência às promessas de Deus.

Juntas, as três imagens apresentam um quadro completo da deficiência humana. Os mortos não podem responder. Os doentes estão corrompidos. Os adormecidos não respondem. Cada condição requer intervenção divina, e cada uma é respondida pela palavra de Deus. Para os mortos, a palavra ressuscita. Para os doentes, a palavra cura. Para o adormecido, a palavra desperta. A pregação e a oração são os meios pelos quais a palavra é entregue, mas o efeito é um ato de Deus.

Essa compreensão esclarece a direção da pregação e da escrita cristãs. Em direção ao mundo, a palavra funciona como evangelismo. Ela se dirige aos mortos e aos doentes, anunciando vida e cura por meio de Cristo. Em direção à igreja, a palavra funciona como despertamento. Ela chama os crentes para fora de seu sono, despertando sua fé para uma confiança ativa em toda promessa de Deus. Em ambas as direções, a palavra prova ser viva e eficaz, mais afiada que qualquer espada de dois gumes, discernindo os pensamentos e as intenções do coração, e produzindo vida, saúde e renovação.

A insuficiência humana aparece em muitas formas, na morte, na doença e no sono, mas a suficiência divina as supera todas. Deus fala, e os mortos ressuscitam. Cristo cura, e os doentes são restaurados. A palavra desperta, e o adormecido vive na luz. A esperança do homem repousa em nenhum outro poder. Seja no ato inicial de regeneração, na cura contínua do pecado, ou no despertar contínuo da fé, a causa efetiva é a voz de Deus.

A pregação e a escrita cristãs carregam imensa significância. Elas nunca são empreendimentos humanos para persuadir os relutantes. Elas não são exercícios terapêuticos destinados a acalmar os inquietos. Elas são os meios designados pelos quais Deus ressuscita os mortos, cura os doentes e desperta o adormecido. Assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca: Ela não voltará para mim vazia, mas fará o que eu desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei, seja no pecador que a ouve pela primeira vez ou no crente que precisa ser despertado novamente. A responsabilidade do pregador e do escritor é falar a palavra fielmente, com plena confiança de que o próprio Deus opera por meio dela.

A imagem da morte, da doença e do sono captura toda a gama da fraqueza humana. Ela nos ensina que a salvação é sempre um milagre do poder divino, seja em seu início ou em sua continuação. Ela dirige toda a glória a Cristo, a ressurreição e a vida, o grande médico, a luz que brilha sobre a alma despertada. Ela não deixa espaço para o orgulho humano, mas nos apresenta a suficiência da palavra de Deus. E nos assegura que em toda condição de deficiência, Deus designou sua palavra como o instrumento pelo qual ele realiza a vida, a cura e o despertar.

📖 Artigo original:

Awake, O Sleeper ↗